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A inter-relação entre postura mandibular, oclusão e postura corporal é um tema tratado por diferentes profissionais da saúde.
Quando falamos de oclusão nos referimos não só a relação entre os arcos dentais, mas também nos referimos ao equilíbrio entre dentes, músculos e articulação temporomandibular, os quais estão em conexão com todo o esquema postural. Dessa forma, podemos ver e analisar o paciente como um todo.
O presente caso clínico trata de uma paciente que chegou ao consultório após uma cirurgia de escoliose, com sintomatologia craniomandibular e perda da dimensão vertical.
Escoliose é uma deformação estrutural tridimensional da coluna vertebral. A escoliose idiopática é provavelmente multietiológica
A prevalência da associação entre escoliose e anomalias craniofaciais deve estimular a colaboração multidisciplinar ao tratarmos as patologias desses pacientes, especialmente quando no diagnóstico precoce.
Relato da paciente: breve histórico da cirurgia:
“Aos 14 anos de idade fui diagnosticada com uma escoliose dorso-lombar, após verificar uma deformação nas costas. Vários médicos especialistas foram consultados confirmando esse diagnostico, porem nenhum deles pôde informar as causas, apenas relataram que poderia ser em função de uma má formação, de algum `trauma` na fase de crescimento ou até mesmo hereditário.”
“A minha mãe percebeu que o lado esquerdo das minhas costas estava mais elevado que o direito. Nesta época eu também vinha sofrendo com frequentes desmaios. Por isso, foram realizados exames, tais como de sangue, eletroencefalograma e eletrocardiograma. Nenhum deles apresentaram alteração”
“Preocupadas com a situação consultamos um ortopedista, que nos encaminhou para a realização de um raio-X panorâmico e através do mesmo se constatou que eu apresentava uma escoliose lombar de 25 graus. O doutor recomendou fisioterapia.”
As radiografias panorâmicas da coluna foram fotografadas sobre o vidro de uma janela a luz do dia, motivo pelo qual se observa elementos da paisagem.

“Inicialmente, com aproximadamente 25 graus de curvatura, fiz sessões de fisioterapia e acompanhamento durante um mês.”
“Utilizei também uma palmilha (que deixei de usar porque não percebia resultados e não sentia necessidade) Na época estava também tratando uma mordida cruzada.”

“Exames clínicos revelaram que a curvatura havia evoluído progressivamente e que esta aumentou mais que o dobro de tamanho, para aproximadamente para 45 graus. Na época, a solução proposta foi o uso de um colete cervical a fim de conter essa evolução.”

“O colete era utilizado 22 horas por dia, também foi recomendado aulas de natação para obter maior flexibilidade e ajudar na respiração, em caso de uma cirurgia.”
“Nesse período, foi feito acompanhamento e reajuste do colete durante todos os meses.”
” Ao final, essa alternativa não se mostrou suficientemente eficiente, já que a curvatura evoluiu para 64 graus.”

“Assim, segundo os médicos, atingimos o caso cirúrgico.”
“Aos 16 anos de idade, tive a coluna operada. A recuperação foi gradual, porem tranquila. As dores, que sempre foram ausentes, apareciam com pouca frequência na região do quadril e pernas, e a curvatura regressou aos 19 graus iniciais.”
LAUDO DO CONTROLE DO RX PANORÂMICO DA COLUNA VERTEBRAL APÓS A CIRURGIA:
Exame radiográfico efetuado para controle de tratamento cirúrgico de escoliose dorso-lombar de convexidade esquerda fixada através de hastes e parafusos metálicos.
“Após um ano, fui liberada para exercer qualquer modalidade de esporte, que até então eu estava proibida de praticar.”
MOTIVO DA CONSULTA NA CLINICA MY:
“Após tratamento dentário (mordida cruzada) com outro professional, principalmente em função de um desvio na coluna cervical que eu havia tentado corrigir na mesma época – mas não tive outro diagnostico a não ser a cirurgia, que já havia sido concluída -, fui orientada a dar prosseguimento com a Dra. Lidia, também a fim de investigar a relação entre os dois casos, até então sem conexão, a arcada dentaria e a coluna cervical.”
“Seguindo as indicações, conheci a Dra. Lídia para quem apresentei o meu histórico, incluindo a cirurgia na coluna vertical, o que a deixou instigada a investigar as relações que poderiam ser causa e consequência em toda a problemática. Após muitas conversas e esclarecimentos me rendi ao tratamento.”
A paciente se apresenta na consulta após a cirurgia de coluna, com queixa de dor de cabeça, cansaço frequente, dor atrás dos olhos, dor nos ombros e apertamento dentário.
Fotografias posturais de perfil direito e esquerdo da paciente, após a cirurgia da coluna e antes do tratamento neurofisiológico.
Fotografias posturais de frente e de costas da paciente, após a cirurgia da coluna e antes do tratamento neurofisiológico.
Parte da ficha clínica onde a paciente marca os pontos onde sente dor.
Oclusão habitual da paciente no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Vista oclusal superior e inferior da paciente no dia da consulta, após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico,antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Radiografia panorâmica da paciente no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico. Remodelamento apical dentes 11,21,22,33,43 compatível com movimentação ortodôntica.
Laminografia das ATMs da paciente em oclusão habitual com a boca fechada e boca aberta de ambos os lados.no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Cabeças da mandíbula assimétricas; esquerda com faceta na superfície posterior e mudança de orientação no eixo vertical.
Radiografia lateral da paciente em oclusão habitual no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Note-se o inicio de inversão da curvatura cervical no nível de C4.
Radiografia frontal da paciente no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Nota-se a perda da dimensão vertical.
Radiografia lateral e da coluna cervical da paciente no dia da consulta após a cirurgia de coluna e a finalização do tratamento ortodôntico, antes do tratamento de reposicionamento mandibular neurofisiológico.
Note-se a inversão da curvatura cervical no nível de C4.
RNM da ATM direita:
Corte sagital em boca fechada: existe uma ante-versão do côndilo mandibular, discreta retificação da sua porção ântero-superior.
RNM da ATM direita:
Corte sagital em boca fechada: existe uma ante-versão do côndilo mandibular, discreta retificação da sua porção ântero-superior. Leve irregularidade da cortical óssea do borde ântero-posterior da cabeça da mandíbula.
RNM da ATM esquerda:
Corte sagital em boca fechada: existe uma ante-versão do côndilo mandibular, discreta retificação da sua porção ântero-superior.
RNM da ATM esquerda:
Corte sagital em boca fechada: existe uma ante-versão do côndilo mandibular, discreta retificação da sua porção ântero-superior.
Antecedentes de traumatismo relatado pela paciente
1 – Queda de um muro com aproximadamente 1,50m de altura caindo de costas batendo com a parte de trás da cabeça no chão.
2- Freada brusca de carro. Foi empurrada contra o para-brisa, mas foi segurada pelo pai.
3 – Queda de bicicleta. A paciente estava de carona e caiu com a boca no chão.
Registro eletromiográfico da paciente em oclusão habitual. Assimetria entre os músculos temporais direitos e esquerdos e assimetria entre os músculos masseteres. O mais importante neste caso é a maior atividade dos temporais em relação aos masseteres. Lembrar que os músculos que devem recrutar mais unidades motoras na máxima intercuspidação são os masseteres e não os temporais anteriores.
Registro da posição neurofisiológica de repouso mandibular.
Os músculos mastigatórios da paciente foram desprogramados eletronicamente e uma nova posição neurofisiológica de repouso foi registrada.
A paciente apresenta um espaço livre patológico de cinco mm e um desvio para direita de um mm e meio.) em posição neurofisiológica.
Com os dados obtidos após a desprogramação eletrônica mandibular e SEMPRE COM A INFORMAÇÃO OBTIDA DAS IMAGENS, construímos o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica.
DIO: Dispositivo Intraoral construído em posição neurofisiológica.
Eletromiografia dinâmica da paciente com o DIO construído na posição neurofisiológica.
Na primeira seleção já podemos observar simetria entre os temporais anteriores.
Na última seleção com rolos de algodão em ambos os lados podemos observar uma melhora no recrutamento de unidades motoras nos masseteres, e ainda diminuição do recrutamento nos temporais anteriores. Lembrar que o DIO é testado e calibrado à medida que vai sendo testado com bioinstrumentação.
Controle cinesiógrafico do DIO. Espaço livre interoclusal de 2,6 mm e não apresenta desvio no traçado frontal.
Comparação das radiografias frontais da paciente: a primeira em oclusão habitual e a segunda com o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica. Melhora do alinhamento tridimensional da mandíbula. Melhora na dimensão vertical.
Não podemos consertar as diferenças estruturais dos côndilos mandibulares, mas sim podemos equilibrar os músculos.
Comparação das radiografias laterais da paciente: a primeira em oclusão habitual e a segunda com o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica.
Comparação das radiografias laterais e da coluna cervical da paciente: a primeira em oclusão habitual e a segunda com o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica.
Comparação das laminografias das ATMs da paciente: a primeira em oclusão habitual e a segunda com o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica.
Comparação das radiografias panorâmicas da paciente: a primeira em oclusão habitual e a segunda com o DIO (Dispositivo Intraoral) em posição neurofisiológica.
Cortes sagitais comparativas das ATMs direitas em boca fechada, antes do tratamento em oclusão habitual e em posição neurofisiológica com o DIO em boca.
Cortes sagitais comparativas das ATMs esquerdas em boca fechada antes do tratamento em oclusão habitual e em posição neurofisiológica com o DIO em boca.
Imagens posturais comparativas de perfil da paciente em oclusão habitual antes do tratamento, no inicio do tratamento utilizando o DIO (dispositivo intraoral), e como pode ser visto na terceira foto, no estagio anterior a passagem para a segunda fase do tratamento com uma ortodontia tridimensional.
Imagens posturais comparativas frontais da paciente em oclusão habitual antes do tratamento, no inicio do tratamento utilizando o DIO (dispositivo intraoral) e, como pode ser visto na terceira foto, no estagio anterior a passagem para a segunda fase do tratamento com ortodontia tridimensional.
– Após tratamento:
DEPOIMENTO DA PACIENTE:
Principalmente as dores de cabeça (região frontal), a tensão nos trapézios e outros sintomas que prejudicavam meu trabalho e rendimento, foram facilmente controlados com o tratamento.
Sou muito grata pelo profissionalismo da Dra. Lidia e a equipe da Clinica My que sempre me trataram com muito cuidado durante todo o tratamento, considerando sempre a relação dos dentes, face e articuação temporomandibular com a coluna e a postura.
Sempre com muito cuidado e atenção, na relação dos dentes e face e articulação temporomandibular em relação com a coluna e a postura, à Dra. Lídia e a equipe da Clinica My sou grata pelo profissionalismo.
Por motivos de estudo e oportunidades de trabalho, optei por fazer uma pausa no tratamento, antes de iniciar a ortodontia tridimensional.
Continuei com o uso contínuo do DIO – as dores continuaram controladas – até ter as condições de finalizar o tratamento.
Descrição da postura ortostática habitual nos planos sagital e frontal
Plano sagital:
A avaliação está descrita de acordo com o teste do fio de prumo. Nesse teste leva-se em consideração os pontos anatômicos que devem estar alinhados com o eixo vertical (fio de prumo) que é perpendicular ao eixo horizontal (superfície de apoio dos pés). Os pontos são o maléolo lateral ( especificamente na articulação calcanocuboidea), o centro articular do joelho, o centro do quadril (localizado na cabeça do fêmur), as vértebras lombares (L3 – L4), o centro da articulação do ombro (acrômio) e o meato auditivo externo (orelha).
Imagem 1 – paciente em oclusão habitual antes do tratamento:
Observa-se que a paciente está como o corpo a frente do fio de prumo. Esse deslocamento dos pontos de referência é observado desde a articulação do joelho na vista lateral direta.
Imagem 2 – paciente utilizando o dispositivo intraoral no início do tratamento:
Observa-se que nessa situação a paciente está como os pontos articulares de referência à frente do fio de prumo, porém houve uma aproximação dos segmentos corporais ombro e meato auditivo externo na direção do fio de prumo.
Imagem 3 – paciente utilizando o dispositivo intraoral pronta para passar para uma ortodontia tridimensional:
Observa-se que nessa imagem que a paciente está com uma postura ereta mais alinhada, onde todos os pontos de referência estão alinhados ou mais próximos do eixo vertical a região lombar e a orelha ainda se mantiveram à frente do eixo de regência.
De acordo com as três imagens, pode-se observar que houve uma melhora no alinhamento da postura ortostática no plano sagital ao longo do tratamento. Inicialmente a paciente possivelmente estava com os músculos da cadeia posterior sobrecarregado desde as plantas dos pés até a região dos suboccipitais. Provavelmente o uso do dispositivo intraoral aliviou tal sobrecarga.
Plano frontal
Na vista frontal, a descrição da postura ortostatica habitual é realizada em relação ao fio de prumo (eixo vertical) e aos dois eixos horizontais: eixo horizontal da superficie de apoio dos pés e eixo horizontal que passa logo acima dos ombros. Os pontos de referência no plano frontal são: ponto médio entre os dois pés, sínfise púbica, processo xifoide (centro do esterno) centro das vértebras cervicais (processos espinhosos) e o ponto médio entre os olhos.
Imagem 1: paciente em oclusão habitual antes do tratamento
Observam-se os seguintes deslocamentos em relação ao eixo vertical: leve deslocamento do ponto do pubis para o lado direito da paciente seguido de um deslocamento da caixa torácica (processo xifoide) para o lado esquerdo da mesma. A região cervical e a cabeça estão deslocados para o lado esquerdo do eixo vertical.
Em relação aos eixos horizontais da superficie de apoio e acima dos ombros, observa-se que o ombro direito está mais baixo que o direito. De acordo com essa imagem pode-se dizer que ela tem escolise ou que está com uma atitute postural que apresenta escoliose.
Imagem 2: paciente utilizando o dispositivo intraoral no inicio do tratamento.
Na imagem 2 é possível observar que a postura da pelves se manteve levemente deslocada para o lado direito do eixo vertical. No entanto houve uma aproximação do processo xifoide (centro do osso esterno) em relação ao eixo vertical, assim como das vértebras cervicais e da cabeça. Esses segmentos ainda se mantiveram para o lado direito do ponto de referência.
Em relação aos eixos de referência horizontal, observa-se um melhor alinhamento dos ombros. O ombro esquerdo se mantém mais baixo que esquerdo. Nessa imagem pode-se dizer que a paciente apresenta uma atitude escoliótica com ângulos menores de flexões laterais da coluna, ou seja, há uma mudança no suporte, onde a atitude escoliótica está mais leve.
Imagem 3: paciente utilizando o dispositivo intraoral pronta para passar para uma ortondontia tridimensional
A partir dessa foto pode-se observar que houve um alinhamento dos pontos de referência do pubis e do processo xifoide em relação ao eixo vertical. Além disso, houve um reposicionamento das vértebras cervicais e da cabeça, onde seus pontos de referência estão mais próximos do eixo de referência. Em relação aos eixos horizontais, a imagem mostra um alinhamento equilibrado dos ombros.
A partir das três imagens do plano frontal observa-se que houve uma melhora da postura ortostática habitual, no entanto ainda há um deslocamento dos pontos de referência da cervical e cabeça para o lado esquerdo do eixo vertical.
Pode-se sugerir que antes do tratamento a paciente possivelmente apresentava uma distribuição do peso corporal assimetrico entre os pés direito e esquerdo: a pelve, deslocada para direita, gera tal desequilibrio. Na região torácica alta e cervical, provalvelmente havia um encurtamento muscular dos músculos da cadeia lateral esquerda e uma sobrecarga da cadeia lateral direita. Com o DIO, possivelmente esses desequilíbrios foram amenizados na postura ortostatica habitual.
Esta avaliação em posição ortostática não é uma avaliação dinâmica da paciente.
Agradeço esta avaliação de Cintia Brino Baril, mestre em Ciências do Movimento Humano, pela UFRGS.
PARABÉNS pela abordagem clínica.
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Obrigada Almir!
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É possível uma relação direta da escoliose com a má oclusão e DTM?
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Cara Brunna, tem na literatura muitos artigos relacionando isto é outros, dizendo que não tem diferenças significativas. Mas tem até trabalhos em ratos que mudando a mordida, entortam a coluna. De tudo jeito é importante o alinhamento das cadeias musculares.
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Lídia, eu tenho uma dúvida:
para um tratamento objetivando corrigir a má oclusão, que se dá devido ao desalinhamento da mandíbula para o lado esquerdo (6mm), é recomendado realinhar a mandíbula ou ajustar os dentes superiores aos inferiores com aparelho ortodôntico?
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Caro Diogo dentro do pensamento neurofisiológico que deriva da escola neuromuscular, jamais ajustamos os dentes sem saber o que está causando esse desalinhamento.
A ATM apresenta patologia?, como os músculos realmente estão alinhados? No existe desalinhamento bidimensional. A primeira pergunta deve ser: o que está provocando esse desalinhamento mandibular?. Fundamental diagnóstico.
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